sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

fazer 31

natal sem ser natal

ano novo, novo e assustador

mudanças na vida dos outros

mudanças na minha vida

...

acho que tô passando por uma crise existencial

começou ano passado

questionamentos sobre a vida e a morte

sobre o sentido das coisas

...

o que eu vou ser quando eu crescer?


...


o quê???


...

domingo, 17 de dezembro de 2006

OUSAR SONHAR

Eu sempre tive um sonho!

Alguns podem até achar que é um sonho pequeno, um sonho desambicioso, mas é um sonho meu.

Para outros, não é sonho, é pesadelo. Uma vida cheia de desgates e sofrimentos, não vale a pena. Mas eu sonhava em ser professora!

Na contramão do senso comum, acredito que a vida de professor não é uma vida de sofrimentos e dissabores, mas de desafios, de luta diária e contínua.

Nenhum de nós nasce poeta, músico, político; mas nascemos educadores. Muitos não sabem que são e precisam ser despertados. Então, procuram os mestres que sabiamente apontam caminhos, vales, aldeias, mostram o que conhecem, dão-lhes o seu saber, sem sustos, pisando sempre a terra firme.

Mas chega o tempo do mestre deixar o discípulo buscar seu próprio caminho, trilhar veredas, topar com pedras no caminho, saltar abismos, se abismar com o desconhecido, fazer seu saber único, sua trajetória individual, ter sua hora de estréia, sua hora da estrela.

Dos passos firmes, aos vôos altos. Foi assim que as mudanças se fizeram, “não pela prudência dos que marcham, mas pela ousadia dos que sonham”.

Do sonho e da ousadia surgiram os poetas, os músicos, os políticos; despertados pelos educadores que assumiram seu papel mais importante, o de ensinar a alegria, a felicidade.

Essa transformação pela educação não pode mais esperar pra ser feita depois; deve ser uma questão de prioridade máxima, de urgência, de emergência.

O tempo não volta, e não há porque tratarmos desse assunto como uma questão de futuro. Só o que temos é o presente, é o hoje.

É preciso quebrar as amarras do comodismo e da passividade. E para isso nada nos falta. Em nós está tudo o que precisamos para alçar vôos.

“Pra que carro e aviões, se temos sonhos e pernas?”


(Texto lido na cerimônia de formatura do Curso Normal - Colégio Estadual Renato Medeiros Neto - Serra Preta-Ba, 16 de dezembro de 2006)

sábado, 16 de dezembro de 2006

Fazer 30 anos

Fazer 30 anos


QUATRO pessoas, num mesmo dia, me dizem que vão fazer 30 anos. E me anunciam isto com uma certa gravidade. Nenhuma está dizendo: vou tomar um sorvete na esquina, ou: vou ali comprar um jornal. Na verdade estão proclamando: vou fazer 30 anos e, por favor, prestem atenção, quero cumplicidade, porque estou no limiar de alguma coisa grave.

Antes dos 30 as coisas são diferentes. Claro que há algumas datas significativas, mas fazer 7, 14, 18 ou 21 é ir numa escalada montanha acima, enquanto fazer 30 anos é chegar no primeiro grande patamar de onde se pode mais agudamente descortinar.

Fazer 40, 50 ou 60 é um outro ritual, uma outra crônica, e um dia eu chego lá. Mas fazer 30 anos é mais que um rito de passagem, é um rito de iniciação, um ato realmente inaugural. Talvez haja quem faça 30 anos aos 25, outros aos 45, e alguns, nunca. Sei que tem gente que não fará jamais 30 anos. Não há como obrigá-los. Não sabem o que perdem os que não querem celebrar os 30 anos. Fazer 30 anos é coisa fina, é começar a provar do néctar dos deuses e descobrir que sabor tem a eternidade. O paladar, o tato, o olfato, a visão e todos os sentidos estão começando a tirar prazeres indizíveis das coisas. Fazer 30 anos, bem poderia dizer Clarice Lispector, é cair em área sagrada.

Até os 30, me dizia um amigo, a gente vai emitindo promissórias. A partir daí é hora de começar a pagar. Mas também se poderia dizer: até essa idade fez-se o aprendizado básico. Cumpriu-se o longo ciclo escolar, que parecia interminável, já se foi do primário ao doutorado. A profissão já deve ter sido escolhida. Já se teve a primeira mesa de trabalho, escritório ou negócio. Já se casou a primeira vez, já se teve o primeiro filho. A vida já se inaugurou em fraldas, fotos, festas, viagens, todo tipo de viagens, até das drogas já retornou quem tinha que retornar.

Quando alguém faz 30 anos, não creiam que seja uma coisa fácil. Não é simplesmente, como num jogo de amarelinha, pular da casa dos 29 para a dos 30 saltitantemente. Fazer 30 anos é cair numa epifania. Fazer 30 anos é como ir à Europa pela primeira vez. Fazer 30 anos é como o mineiro vê pela primeira vez o mar.

Um dia eu fiz 30 anos. Estava ali no estrangeiro, estranho em toda a estranheza do ser, à beira-mar, na Califórnia. Era um homem e seus trinta anos. Mais que isto: um homem e seus trinta amos. Um homem e seus trinta corpos, como os anéis de um tronco, cheio de eus e nós, arborizado, arborizando, ao sol e a sós.

Na verdade, fazer 30 anos não é para qualquer um. Fazer 30 anos é, de repente, descobrir-se no tempo. Antes, vive-se no espaço. Viver no espaço é mais fácil e deslizante. É mais corporal e objetivo. Pode-se patinar e esquiar amplamente.

Mas fazer 30 anos é como sair do espaço e penetrar no tempo. E penetrar no tempo é mister de grande responsabilidade. É descobrir outra dimensão além dos dedos da mão. É como se algo mais denso se tivesse criado sob a couraça da casca. Algo, no entanto, mais tênue que uma membrana. Algo como um centro, às vezes móvel, é verdade, mas um centro de dor colorido. Algo mais que uma nebulosa, algo assim pulsante que se entreabrisse em sementes.

Aos 30 já se aprendeu os limites da ilha, já se sabe de onde sopram os tufões e, como o náufrago que se salva, é hora de se autocartografar. Já se sabe que um tempo em nós destila, que no tempo nos deslocamos, que no tempo a gente se dilui e se dilema. Fazer 30 anos é como uma pedra que já não precisa exibir preciosidade, porque já não cabe em preços. É como a ave que canta, não para se denunciar, senão para amanhecer.

Fazer 30 anos é passar da reta à curva. Fazer 30 anos é passar da quantidade à qualidade. Fazer 30 anos é passar do espaço ao tempo. É quando se operam maravilhas como a um cego em Jericó.

Fazer 30 anos é mais do que chegar ao primeiro grande patamar. É mais que poder olhar pra trás. Chegar aos 30 é hora de se abismar. Por isto é necessário ter asas, e sobre o abismo voar.
[Affonso Romano de Sant'Anna] (13.10.85)

... É!!!
Mas eu tô fazendo 31...

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Se os que me viram já cheia de graça
Olharem bem de frente para mim,
Talvez, cheios de dor, digam assim:"Já ela é velha!
Como o tempo passa"!..."

Não sei rir e cantar por mais que faça!
Ó minhas mãos talhadas em marfim,
Deixem esse fio de oiro que esvoaça!
Deixem correr a vida até ao fim!

Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!
Tenho cabelos brancos e sou crente...
Já murmuro orações... falo sozinha...

E o bando cor-de-rosa dos carinhos
Que tu me fazes, olho-os indulgente,
Como se fosse um bando de netinhos...
(Florbela Espanca)

domingo, 10 de dezembro de 2006



A VIDA

Mário Quintana

"A vida são deveres que trouxemos
para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já é Natal...
Quando se vê, já terminou o ano ...
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida ...
Quando se vê, passaram-se 50 anos !
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada
e inútil das horas ...
Seguraria o meu amor, que está há muito
à minha frente, e diria eu te amo...
Dessa forma, eu digo:
não deixe de fazer algo que gosta
devido à falta de tempo.
Não deixe te ter alguém ao seu lado
por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá,
será desse tempo que infelizmente...
Não voltará mais."

quarta-feira, 6 de dezembro de 2006


TEMPORARIAMENTE INDISPONÍVEL
OU
ATÉ QUANDO DURAREM OS TRABALHOS
DE FIM DE ANO...
[aguardem]

sábado, 18 de novembro de 2006

Só uma palavra.

Uma palavra de otimismo.

Uma palavra de esperança.

Uma palavra de alegria.

Só isso que eu queria.

Uma palavra.

terça-feira, 7 de novembro de 2006

"DITANET"

Para quem achava que o clima na política brasileira ia esfriar assim passassem as eleições, ficou só na vontade de que a paz aqui reinasse. Há um cheiro de ditadura no ar. Aff!!!

A notícia mais quente diz respeito à proposta do senador tucano Eduardo Azeredo (PSDB-MG), mentor de um projeto de lei que obriga a identificação dos usuários da internet antes de iniciarem qualquer operação que envolva interatividade, como envio de e-mails, conversas em salas de bate-papo, criação de blogs, captura de dados (como baixar músicas, filmes, imagens), entre outros.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u20934.shtml

Esse tipo de coerção, em nada contribuirá para a tão almejada inclusão digitial. Sem contar que, como as leis são diferentes em cada país, nada impede de se fazer uso indevido da internet acessando um site estrangeiro. Há outros meios para se coibir os abusos virtuais.

Precisamos manter a rede aberta e democrática. Esse é o único meio de que dispomos para exercer nossa liberdade de expressão, já que a grande mídia tem se mostrado extremamente parcial na divulgação de informações.


EM TEMPO:
Acatando às pressões dos milhares de usuários, a proposta foi retirada da pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O poder popular se faz muito atuante pela rede.

http://ultimosegundo.ig.com.br/materias/economia/2584501-2585000/2584658/2584658_1.xml

sábado, 4 de novembro de 2006

Um instante

Aqui me tenho
Como não me conheço
nem me quis
sem começo
nem fim
aqui me tenho
sem mim
nada lembro
nem sei
à luz presente
sou apenas um bicho
transparente

(Ferreira Gullar)

sexta-feira, 3 de novembro de 2006

Deu a louca na mídia


Depois da empreitada de uma parte da imprensa brasileira para minar a reeleição do presidente Lula, outro elemento surge nesse capítulo à parte da história recente da nossa democracia: ela, a imprensa, agora é a vítima.

A VEJA e a GLOBO entraram num caminho sem volta. De fotos de dinheiro até reportagens infindáveis sobre os supostos "maiores escândalos da nossa história", usaram todas as armas para destituir o poder legitimado pelo povo. A mais nova das novas, no entanto, é o discurso veiculado pós-eleição de que a liberdade de imprensa pode estar em risco.

Questionar a veracidade de um fato é proibido, duvidar da parcialidade da mídia é um insulto, criticar, então, é pecado mortal!!! Ainda vem se falar de liberdade?
Alberto Dinnes, âncora do Observatório da Imprensa, entrou também nesse barco. Ele que sempre foi um cara tão imparcial, talvez tenha se sentido traído pelas urnas.

http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=405JDB021
(melhor ainda ver os comentários)

O fato é que a informação não é mais bem exclusivo da mídia formal. A internet abre mil canais de possibilidades para o debate e o confronto de opiniões. Isso sim é democrático.

quarta-feira, 1 de novembro de 2006


Ser único e diverso.

Estar aqui e ali.
Querer e não querer.
Ser e não estar.

Ou não ser?

Partir e ficar.
Lutar ou fugir.
Sentir.

Sentir?
É DOS BARBUDOS QUE EU GOSTO MAIS!!!



"O que sinto muitas vezes faz sentido
E outras vezes não descubro o motivo
Que me explica porque é que não consigo ver sentido
No que sinto, no que procuro e desejo que faz parte do meu mundo".






"Quando tirarem minhas pernas, andarei com as pernas do povo.
Se eles tirarem meus braços, gesticularei com os braços do povo.
Se tirarem meu coração, amarei com o coração do povo.
Se tirarem minha cabeça, pensarei com a cabeça de vocês.
Porque não adianta esquartejar e salgar a carne como fizeram com Tiradentes.
A carne você mata. Mas as idéias sobrevivem".





"Os dias que eu me vejo só são dias
Que eu me encontro mais e mesmo assim
Eu sei também existe alguém pra me libertar".

terça-feira, 31 de outubro de 2006

O Brasil que vem aí...


Eu ouço as vozes - eu vejo as cores - eu sinto os passos
de outro Brasil que vem aí,
mais tropical - mais fraternal - maisbrasileiro.
Os homens desse Brasil em vez das cores das três raças
terão as cores das profissões e regiões.
Todo brasileiro poderá dizer: é assim que eu quero o Brasil.

Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil
lenhador - lavrador - pescador - vaqueiro -
marinheiro - funileiro - carpinteiro
contanto que seja digno do governo do Brasil,
que tenha olhos para ver peloBrasil,
ouvidos para ouvir pelo Brasil,
coragem de morrer pelo Brasil,
ânimo de viver pelo Brasil,
mãos para agir pelo Brasil.

Eu ouço as vozes - eu vejo as cores - eu sinto os passos -
desse Brasil que vem aí...
(Gilberto Freyre)

sábado, 28 de outubro de 2006

terça-feira, 24 de outubro de 2006

"Os humilhados serão exaltados"

Já faz algum tempo que não leio a Bíblia e talvez nunca a tenha lido de verdade, mas têm algumas máximas que mesmo pra quem nunca leu o Livro Sagrado, funcionam como uma espécie de escudo-resposta para algumas perguntas interiores, ou para um certo consolo de um dia a justiça ser feita.

Justiça não é sinônimo de vingança. Justiça é justiça, ora!

Escavocando a memória, posso rever o dia fatídico em que eu, garotinha de dez anos, 5ª série, extremamente correta na arte de estudar, me vi sendo enxovalhada pelas minhas coleguinhas, também garotinhas de dez anos, porque não quis dar a pesca da prova de matemática. A ladeira do colégio parecia a via-crucis. E eu pensava comigo, pensamentos abafados pelos gritos de "egoísta!", que um dia a justiça ia ser feita. Eu não estava fazendo nada de errado, pelo contrário. "E era eu a enxovalhada?"

Crianças e valores. Bem cedo se aprende!

Nunca fiz justiça quanto aos enxovalhos. Continuei seguindo meus valores. Talvez essa tenha sido a minha justiça interior, não me render ao que eu não acreditava, ao que eu mais desprezava, ainda que isso pudesse me fazer sofrer.

Valores. Ou se tem ou não se tem.

A memória às vezes é traiçoeira. Faz a gente esquecer tanta coisa, e não deleta nem com mil cliques uma cena remota. Essa me veio à cabeça depois de ver o debate da segunda-feira, 23 de outubro, entre os presidenciáveis. (Eu me reconhecendo em um dos presidenciáveis. Quanta pretensão!)

O mais alto, o com pinta de rico, como se fosse as minhas coleguinhas que queriam que eu desse a pesca de matemática; o outro, o mais baixo, era eu, dimuída pelo peso das palavras toscas e agressivas.

E eu via aquele homem tão simples, tão desarmado, tão cheio de valores sendo agredido, enxovalhado, desrespeitado. O outro cheio de impáfia, de arrogância, atacando.

"Os humilhados serão exaltados", eu pensava. Um dia a justiça será feita.

E nesse dia, todos os que já sofreram enxovalhos por suas escolhas, por seus valores, por sua postura firme diante das coisas, por sua humildade, por seu caráter, por seus sacrifícios, por seus ideais, nesse dia todos esses serão exaltados, representados ali por uma única figura. Um homem, baixinho, simples, cheio de valores e com um ideal comungado por muitos.

Por Nívea Maria

domingo, 22 de outubro de 2006

O poder e os sem-poder


A atual campanha para a Presidência se reveste de certa dramaticidade. É mais do que escolher um político para ocupar o centro do poder estatal. O que está em jogo são dois projetos de Brasil. Um representa o projeto dos detentores do poder, do ter, do saber e da comunicação. Seus atores ocupam há séculos o espaço público e o Estado. Construíram um Brasil para si, de costas para o povo do qual, no fundo, sentem vergonha, pois o consideram ignorante, atrasado e "religioso".O outro projeto é dos sem-poder, dos destituídos de cidadania e excluídos dos benefícios sociais. Historicamente, resistiram e se rebelaram, mas sempre foram derrotados. Entretanto, conseguiram se organizar e criar um contrapoder com capacidade de disputar o mais alto cargo da Nação.Geraldo Alckmin representa o projeto das classes dominantes. Na verdade, elas não possuem um projeto-Brasil, pois o consideram ultrapassado. Agora, vigora o projeto-mundo no qual o Brasil deve se inserir mesmo como sócio menor. Seguem as receitas do neoliberalismo que implicam o enfeudamento da política pela economia, aprofundando as desigualdades sociais. Esse projeto foi implantado durante o governo FHC. Se vitorioso, Alckmin o retomará com fervor.Lula representa o projeto alternativo. Cansado das elites, o povo votou em si mesmo elegendo Lula como presidente. Carismático, tentou, com relativo sucesso, fazer uma transição: de um Estado elitista e neoliberal para um Estado republicano e social. Para salvar o Titanic que ameaçava afundar, teve que fazer concessões à macroeconomia de viés neoliberal, mas deu, como nenhum governo antes, centralidade ao social com programas que beneficiaram cerca de 40 milhões de pessoas.Desta opção pelo social pode nascer um outro tipo de Brasil com uma democracia inclusiva que resgate a dignidade de milhões de excluídos e marginalizados. O significado histórico de reeleger Lula é permitir-lhe acabar esse começo de construção de um outro Brasil.
[Por Leonardo Boff]

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

Eu procratino, Tu procrastinas


Final de semestre. Provas pra corrigir. Provas pra elaborar. Textos para ler. Curso para fazer. Tarefas a cumprir. Tantos verbos. Tantas obrigações. Vontade maior mesmo é de dormir. De não fazer nada. Me vem à mente Álvaro de Campos ("O ter deveres, que prolixa coisa!")... E deixar pra fazer amanhã. Meu maior pecado. A procrastinação. O porvir.

ADIAMENTO

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...

Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...

(...)

Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...

(Álvaro de Campos)

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas coresnas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas...
e que estão escritasdo lado de fora do papel...
Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo,
ardente e puro, ao vento da Poesia...
como uma pobre lanterna que incendiou!
[Mario Quintana]


segunda-feira, 16 de outubro de 2006

"Navegar é preciso / Viver não é preciso".

Mais um espaço para os devaneios,
para as indagações
e para espalhar a poesia do mundo.
Já que não sou poeta,
deixo os poetas falarem por mim.

Conjugação

Eu falo
tu ouves
ele cala.

Eu procuro
tu indagas
ele esconde.

Eu planto
tu adubas
ele colhe.

Eu ajunto
tu conservas
ele rouba.

Eu defendo
tu combates
ele entrega.

Eu canto
tu calas
ele vaia.

Eu escrevo
tu me lês
ele apaga.

(Affonso Romano de SantAnna)