terça-feira, 31 de outubro de 2006

O Brasil que vem aí...


Eu ouço as vozes - eu vejo as cores - eu sinto os passos
de outro Brasil que vem aí,
mais tropical - mais fraternal - maisbrasileiro.
Os homens desse Brasil em vez das cores das três raças
terão as cores das profissões e regiões.
Todo brasileiro poderá dizer: é assim que eu quero o Brasil.

Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil
lenhador - lavrador - pescador - vaqueiro -
marinheiro - funileiro - carpinteiro
contanto que seja digno do governo do Brasil,
que tenha olhos para ver peloBrasil,
ouvidos para ouvir pelo Brasil,
coragem de morrer pelo Brasil,
ânimo de viver pelo Brasil,
mãos para agir pelo Brasil.

Eu ouço as vozes - eu vejo as cores - eu sinto os passos -
desse Brasil que vem aí...
(Gilberto Freyre)

sábado, 28 de outubro de 2006

terça-feira, 24 de outubro de 2006

"Os humilhados serão exaltados"

Já faz algum tempo que não leio a Bíblia e talvez nunca a tenha lido de verdade, mas têm algumas máximas que mesmo pra quem nunca leu o Livro Sagrado, funcionam como uma espécie de escudo-resposta para algumas perguntas interiores, ou para um certo consolo de um dia a justiça ser feita.

Justiça não é sinônimo de vingança. Justiça é justiça, ora!

Escavocando a memória, posso rever o dia fatídico em que eu, garotinha de dez anos, 5ª série, extremamente correta na arte de estudar, me vi sendo enxovalhada pelas minhas coleguinhas, também garotinhas de dez anos, porque não quis dar a pesca da prova de matemática. A ladeira do colégio parecia a via-crucis. E eu pensava comigo, pensamentos abafados pelos gritos de "egoísta!", que um dia a justiça ia ser feita. Eu não estava fazendo nada de errado, pelo contrário. "E era eu a enxovalhada?"

Crianças e valores. Bem cedo se aprende!

Nunca fiz justiça quanto aos enxovalhos. Continuei seguindo meus valores. Talvez essa tenha sido a minha justiça interior, não me render ao que eu não acreditava, ao que eu mais desprezava, ainda que isso pudesse me fazer sofrer.

Valores. Ou se tem ou não se tem.

A memória às vezes é traiçoeira. Faz a gente esquecer tanta coisa, e não deleta nem com mil cliques uma cena remota. Essa me veio à cabeça depois de ver o debate da segunda-feira, 23 de outubro, entre os presidenciáveis. (Eu me reconhecendo em um dos presidenciáveis. Quanta pretensão!)

O mais alto, o com pinta de rico, como se fosse as minhas coleguinhas que queriam que eu desse a pesca de matemática; o outro, o mais baixo, era eu, dimuída pelo peso das palavras toscas e agressivas.

E eu via aquele homem tão simples, tão desarmado, tão cheio de valores sendo agredido, enxovalhado, desrespeitado. O outro cheio de impáfia, de arrogância, atacando.

"Os humilhados serão exaltados", eu pensava. Um dia a justiça será feita.

E nesse dia, todos os que já sofreram enxovalhos por suas escolhas, por seus valores, por sua postura firme diante das coisas, por sua humildade, por seu caráter, por seus sacrifícios, por seus ideais, nesse dia todos esses serão exaltados, representados ali por uma única figura. Um homem, baixinho, simples, cheio de valores e com um ideal comungado por muitos.

Por Nívea Maria

domingo, 22 de outubro de 2006

O poder e os sem-poder


A atual campanha para a Presidência se reveste de certa dramaticidade. É mais do que escolher um político para ocupar o centro do poder estatal. O que está em jogo são dois projetos de Brasil. Um representa o projeto dos detentores do poder, do ter, do saber e da comunicação. Seus atores ocupam há séculos o espaço público e o Estado. Construíram um Brasil para si, de costas para o povo do qual, no fundo, sentem vergonha, pois o consideram ignorante, atrasado e "religioso".O outro projeto é dos sem-poder, dos destituídos de cidadania e excluídos dos benefícios sociais. Historicamente, resistiram e se rebelaram, mas sempre foram derrotados. Entretanto, conseguiram se organizar e criar um contrapoder com capacidade de disputar o mais alto cargo da Nação.Geraldo Alckmin representa o projeto das classes dominantes. Na verdade, elas não possuem um projeto-Brasil, pois o consideram ultrapassado. Agora, vigora o projeto-mundo no qual o Brasil deve se inserir mesmo como sócio menor. Seguem as receitas do neoliberalismo que implicam o enfeudamento da política pela economia, aprofundando as desigualdades sociais. Esse projeto foi implantado durante o governo FHC. Se vitorioso, Alckmin o retomará com fervor.Lula representa o projeto alternativo. Cansado das elites, o povo votou em si mesmo elegendo Lula como presidente. Carismático, tentou, com relativo sucesso, fazer uma transição: de um Estado elitista e neoliberal para um Estado republicano e social. Para salvar o Titanic que ameaçava afundar, teve que fazer concessões à macroeconomia de viés neoliberal, mas deu, como nenhum governo antes, centralidade ao social com programas que beneficiaram cerca de 40 milhões de pessoas.Desta opção pelo social pode nascer um outro tipo de Brasil com uma democracia inclusiva que resgate a dignidade de milhões de excluídos e marginalizados. O significado histórico de reeleger Lula é permitir-lhe acabar esse começo de construção de um outro Brasil.
[Por Leonardo Boff]

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

Eu procratino, Tu procrastinas


Final de semestre. Provas pra corrigir. Provas pra elaborar. Textos para ler. Curso para fazer. Tarefas a cumprir. Tantos verbos. Tantas obrigações. Vontade maior mesmo é de dormir. De não fazer nada. Me vem à mente Álvaro de Campos ("O ter deveres, que prolixa coisa!")... E deixar pra fazer amanhã. Meu maior pecado. A procrastinação. O porvir.

ADIAMENTO

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...

Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...

(...)

Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...

(Álvaro de Campos)

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas coresnas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas...
e que estão escritasdo lado de fora do papel...
Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo,
ardente e puro, ao vento da Poesia...
como uma pobre lanterna que incendiou!
[Mario Quintana]


segunda-feira, 16 de outubro de 2006

"Navegar é preciso / Viver não é preciso".

Mais um espaço para os devaneios,
para as indagações
e para espalhar a poesia do mundo.
Já que não sou poeta,
deixo os poetas falarem por mim.

Conjugação

Eu falo
tu ouves
ele cala.

Eu procuro
tu indagas
ele esconde.

Eu planto
tu adubas
ele colhe.

Eu ajunto
tu conservas
ele rouba.

Eu defendo
tu combates
ele entrega.

Eu canto
tu calas
ele vaia.

Eu escrevo
tu me lês
ele apaga.

(Affonso Romano de SantAnna)